Transplantados
Carlos Azevedo Filho
Fica decretado que seja transplantada a solidariedade. Fica decretado sim, mesmo que não se tenha poder para isso, de que todos se preocupem com o drama dos transplantados exibido cotidianamente pela televisão CORREIO.
Decrete-se também que não haja vácuo institucional ou político entre os governos estadual e federal e que cada um cumprirá com suas atribuições, garantindo aos transplantados o direito à vida.
Penso que mesmo que não possamos decretar que mesmo assim seja determinado que a vida seja estendida pelos poderes da medicina e da ciência. Ricos ou pobres têm direito a receber um rim ou um coração novo.
Decrete-se também que a imprensa cumpra seu papel de fiscalizador dos poderes e que possa denunciar a falta criminosa de remédios que ajudam a combater as rejeições dos órgãos transplantados, mesmo que alguns pensem que isso é uma campanha política desses ou daquele cordão das oligarquias locais.
Decretem também que haja uma atenção multidisciplinar aos pacientes transplantados e um amplo apoio de solidariedade com campanhas e algo mais. Que farmacêuticos, médicos e enfermeiras não vejam os transplantados como teimosos que tentam a todo custo permanecer entre nós. E que se sobre alguma solidariedade, que se construa um centro digno de atendimento aos transplantados.
Fica decretado que não se tenha a necessidade de decretos ou medidas provisórias para que as coisas se resolvam simplesmente sem burocracia, porque simplesmente os transplantados como humanos têm o direito fundamental à vida.
Fica decretado que a vida seja um valor fundamental ao sistema de saúde do país, do estado ou da cidade. Fica decretado que se invista menos em publicidade enganosa e que o dinheiro seja empregado realmente na melhoria das condições de saúde da população. De que pessoas não cumpram a via crucis de hospital em hospital, em ambulâncias precárias no interior do Estado.
Fica decretado que o transplante seja um gesto de utopia e de amor à vida, que a vida se multiplique em gestos de doação e esperança. Fica decretado de que a luta daqueles que lutam para viver supere o medo e a rejeição. E mesmo que haja dor e partida, que ela seja mínima e cercada de humanidade.
Fica decretado que o coração continue a pulsar nos lembrando que somos mortais. E que mesmo que o milagre seja negligenciado pela cegueira insensível e burocrática dos poderes, a vida deve seguir seu curso, forte, sem explicação, como uma chuva que cai de repente e faz florir uma paisagem em todas as cores e tons.
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