Sábado, 4 de Outubro de 2008

FRATICIDAS

 

Mesmo condenado a vagar errante pela Terra, Caim ignorou a punição e resolveu se estabelecer, fixar-se em um lugar. Na sua cabeça não tinha cometido nenhum erro ao retirar de cena aquele chato e fracote do Abel. Como filho mais forte, merecia tudo, tudo mesmo. Foi assim que Caim abriu um bar.

O Bar do Caim era um estabelecimento dos mais bem freqüentados do bairro universitário. Eram seus clientes professores cabeça, militontos políticos, músicos ávidos a demonstrar suas habilidades de compositores não aproveitados pela indústria fonográfica, entre outros seres estranhos, muito estranhos...

Com esforço próprio e apoio de seus seletos e dependentes clientes Caim prosperou. Permanecia um homem simples, de hábitos e trajes que não levantariam suspeitas de sua condição de novo rico. Os vizinhos o tinham como um cidadão exemplar, apesar do barulho que o estabelecimento fazia ao varar as madrugadas nas patuscadas de servidores públicos embriagados. A lei do silêncio era facilmente comprada com algumas doses de bom uísque. E, sem falar na chamada lei seca, que no Bar do Caim nem pegou. Todos chegavam fartamente motorizados e saíam, após as rabelesianas bebedeiras, embriagados e ao volante.

Os clientes de Caim se consideravam uma elite criativa dionisiacamente embriagada. De lá, saíram muitas músicas, panfletos políticos, poemas, amores, grupos carnavalescos, teses, dissertações e até uma entidade de defesa do puro forró, patrimônio imaterial do povo nordestino, que está sendo falsificado pela indústria cultural.

O sucesso e o sossego Bar do Caim não tardaria de ser perturbado pelos impiedosos vizinhos que teimavam em querer dormir todas as madrugadas. E também alguns outros fiscais de impostos sempre a procurar um erro onde não há. Mesmo assim, para êxito da criativa missão dos freqüentadores do lugar, por sorte, o estabelecimento parece intocado.

De repente, tudo muda quando decide se estabelecer ao lado do Bar do Caim outro sujeito. Fraco, baixinho, de poucas palavras, Abel não tinha morrido coisa alguma. Para desespero dos vizinhos, o Bar do Abel copiou a fórmula de sucesso do irmão novo rico. Dentro do possível tem dado certo. Os bêbados freqüentadores dos dois estabelecimentos já estão tramando até uma reconciliação entre os dois filhos de Adão e Eva...

 


publicado por novojornalismo às 17:37
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