Terça-feira, 26 de Junho de 2007

Piratas de Jagguariver

Somos todos piratas de Jaguaribe (ooops!!! do Caribe!). Entre ordem e a desordem, optamos por destruir binarismos. Se bem que a ordem dos piratas é fundada em moedas, ou melhor, na falta delas. E é bom lembrar uma nação é fundada em cima de uma única e viciada moeda: a linguagem-território. Somos piratas e a nossa pátria (se é que ela existe) é o mar. O mar com suas delícias e cromatismos, simbolismos etc. Mas também o mar com seus monstros bem humanos: o homem-polvo, o homem-tubarão entre outros membros do bestiário pós-nacional. Embarquemos no Pérola Negra e em todas as suas simbologias. Calipso e todas as suas selvagens forças incontroláveis, que nos assustam e seduzem. Netuno retraduzido em fêmea. Entre um naufrágio e outro, a busca do eterno porto. O baú da morte e da eternidade. Se bem que os ingleses, esses piratas de farda, tentaram. Mas os monstros marinhos do pós-colonialismo, o outro lado “mesmo” da moeda, venceram. E não houve civilização nem barbárie, somente o mar. Impenetravelmente feminino sem ser casto, o esquizofrênico mar nos dava limites. Limites nem por muito tempo aceitos. Então enfrentamos monstros de nós mesmos, o espaço e suas imaginações. Ainda não descobrimos a fonte de tudo. Será que ela se encontra em Cuba de Fidel ou na prisão de Guantánamo? A força dos homens jamais será desperdiçada. Com o nascer do sol, o mito sempre se renovará em outras histórias náufragas de sentido. O coração do pirata se esconderá num baú atômico os nos escombros de um 11 de setembro qualquer, apesar da morte. Um pê escrito a ferro, carne e fogo com as dores do mundo será nossa senha, para sempre nos lembrar que somos piratas. Assim, ao mercosul, nossa desunião será banquete na mesa do inimigo. Entre monstros que somos, alguém nos lembrará de uma canção esquecida e todos intuitivamente cantarão, ate que lhes seja roubada a voz.


publicado por novojornalismo às 01:29
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Domingo, 3 de Junho de 2007

Kafka lia HQs?

 
Pensar e sentir essa coisa absurda que chamamos tempo deve ser o motivo pelo qual me lanço sempre no início de cada ano na leitura de qualquer livro de ou sobre o escritor Franz Kafka (1883-1924). É ao mesmo tempo uma mania e uma obrigação. Mas sempre ocorrem imprevistos. No ano passado, por exemplo, estava me programando para ler “Kafka vai ao cinema” quando um aluno metido a espertalhão me surrupiou cinicamente o exemplar, usando aquela gasta fórmula do “me empresta que eu leio rápido e num instantinho eu te devolvo”.
Desde o ano passado venho me prevenindo. Agora compro e escondo o livro. Dessa vez, é a hora da leitura de Histórias em Quadrinhos (HQ´s), com o a brilhante adaptação de “A metamorfose”, por Peter Kuper, publicada pela Conrad em 2004. Escrita originalmente em 1915, trata-se de um livro do nosso tempo, uma espécie de diagnóstico de uma “doença” que afeta a condição humana: a alienação. Palavra muito cara aos marxistas e um dos sintomas da chamada modernidade, a alienação faz parte do cotidiano humano. O artista gráfico Kuper revela no livro que a adaptação do clássico fez com que ele unisse duas paixões do tempo da infância: o desenho e os insetos. “Kafka pode não ter sido fã dos quadrinhos, mas seus personagens angustiados em cenários de realidade alterada são feitos sob medida para esta mídia”, revela o desenhista no prefácio. Ele nos mostra ainda que se inspirou em Kafka para a criação da HQ por conta da habilidade do escritor em abordar a condição humana, já que na sua obra existem julgamentos grotescos e burocracias inflexíveis, coisas que para o desenhista, são comuns no mundo de hoje, basta ler os jornais. Os desenhos de Kuper são bastante econômicos em relação ao traço e ele sempre prefere o preto e branco, fazendo uma adaptação ao mesmo tempo minimalista e fiel ao clássico kafkiano.
Ainda para a leituras desse início de ano, ainda privilegiei as HQ´s . Reservei o livro “Kafka de Crumb” (Relume Dumará, 2006), uma espécie de vida e obra do escritor nascido em Praga. Com desenhos de Robert Crumb e textos de David Zane Mairowitz, o livro não é uma grande novidade saída do forno (ou melhor do lápis) mas sim de uma reedição de um trabalho lançado em 1993. Com uma capa verde a la Incrível Hulk, o senhor K nos encara com seus olhos absurdos. Pioneiro dos HQ´s undergrounds dos EUA, Crumb aliou seu traço a um cara sacado, David Zane, para produzir um livro ao mesmo tempo informativo e divertido. O Kafka de Crumb é um passeio particular pela vida do escritor e uma introdução à sua obra. Em relação ao escritor nascido em Praga, o livro problematiza algumas questões essenciais tais como o sionismo e anti-sionismo, a atração do jovem Kafka por relacionamentos amorosos e suas cartas etc. Na questão da obra, eles mostram comentários interessantes sobre “A metamorfose”, “Na colônia penal”, “A toca”, “O processo”, “Carta ao Pai”, “O castelo” entre outras. Dessa vez não temos um traço minimalista de um Kuper, mas um desenho que explora os tons cinza, o vazado e as expressões faciais. Mesmo assim, o preto fere a página em branco, criando sensações visuais interessantes.
Os HQ´s “A metamorfose” (Kuper) e “Kafka de Crumb” revelam um diálogo entre vida e obra de um escritor que questionou a modernidade e que com certeza prematuramente inaugurou uma discussão sobre os limites da representação na literatura e seus traumas pós-modernos. Nem mesmo o senhor K nem Gregor Samsa iriam dessa vez estranhar se entre fevereiro ou março eles fossem metamorfoseados, transformados em tirinhas, desenhos. A literatura sim meio que constrangida agradece aos mestres do traço, por estar deitada num quarto agitando impacientemente as patinhas...
 
 
Pra quem se interessar:
Kafka de Crumb
Relume-Dumará
2006
R$ 36
A metamorfose
Conrad
2004
R$19

publicado por novojornalismo às 03:41
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